sábado, 26 de novembro de 2011

Menina bonita do laço de fita

Menina Bonita do Laço de Fita
(Menina bonita do laço de fita Autor(a): Ana Maria Machado)
Era uma vez uma menina muito linda. Os olhos dela pareciam duas azeitonas pretas, daquelas bem brilhantes. Os seus cabelos eram enrolados e bem negros, feitos de fios tênues. A pele era escura e lustrosa, como o pêlo de uma pantera negra.
      A mãe gostava de lhe fazer trancinhas no cabelo e enfeitá-lo com laços de fita colorida. Ela ficava uma princesa das Terras da África, ou uma fada do Reino da Lua.
      Ao lado da casa dela morava um coelho branco, de olhos azuis e focinho nervoso sempre tremelicando. O coelho achava a menina a pessoa mais linda que ele tinha visto em toda a sua vida. E pensava:
      - Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda como ela…
      Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:
      - Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
      - Ah, deve ser porque eu caí numa lata de tinta preta quando era pequenina..
      O coelho saiu dali, e procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela.
      Ficou bem negro e todo contente. Mas veio a chuva e lavou-o ficando novamente
branco. Então ele voltou a casa da menina e perguntou outra vez:
      - Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
      - Ah, deve ser porque bebi muito café quando era pequenina.
      O coelho saiu dali e bebeu tanto café que perdeu o sono e passou a noite toda a fazer “xixi”. Mas não ficou preto. Então ele voltou a casa da menina e perguntou outra vez:
      - Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
      - Ah, deve ser porque eu comi muito chocolate quando era pequenina.
      O coelho saiu dali e empanturrou-se de chocolate até ficar gordinho e sem conseguir sair do 1ugar. Mas não ficou nada preto. Por isso, alguns dias depois ele voltou a casa da menina e perguntou outra vez:
      - Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
      A menina não sabia e inventando outra coisa, uma história de feijoada, quando a mãe dela, que era uma mulata linda e risonha, resolveu meter-se e disse:
      - Artes de uma avó preta que ela tinha…
      O coelho viu que a mãe da menina devia estar mesmo a dizer a verdade, porque  nós parecemo-nos sempre com os pais, os tios, os avós e até com os parentes tortos.
      E se ele queria ter uma filha pretinha e linda que nem a menina, tinha era que procurar uma coelha preta para casar. Não precisou procurar muito. Logo encontrou uma coelhinha escura como a noite, que achava aquele    coelho branco uma graça. Foram namorando, casando e tiveram uma ninhada de filhotes. Tinha coelhos para todo gosto: brancos, bem brancos, brancos meio cinza, brancos malhados de preto, pretos malhados de branco e até uma coelha bem pretinha. já se sabe, afilhada da tal menina bonita que morava na casa ao lado.                   
      E quando a coelhinha saía, de laço colorido ao pescoço, encontrava sempre alguém que perguntava:
      - Coelha bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
      E ela respondia:
      - Conselhos da mãe da minha madrinha…

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A cigarra e as formigas

(A cigarra e as formigas Autor(a):Monteiro Lobato)

     Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé de um formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
      Mas o bom tempo afinal  passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados passavam o dia cochilando nas tocas.
      A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém. Manquitolando, com uma asa e arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu - tique, tique, tique...
      Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina. - Que quer? - perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
      - Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
      A formiga olhou-a de alto para baixo.
      - E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
      A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu, depois de um acesso de tosse:
      - Eu cantava, bem sabe...
      - Ah!... - exclamou a formiga recordando-se. - Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
      - Isso mesmo, era eu...
      - Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou.       
      Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
      A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser alegre cantora dos dias de sol.

O rato da cidade e o rato do campo

(O rato da cidade e o rato do campo Autor(a): Monteiro Lobato)

      Certo ratinho da cidade resolveu banquetear um compadre que morava no mato. E convidou-o para o festim, marcando lugar e hora.
      Veio o rato da roça, e logo de entrada muito se admirou do luxo de seu amigo. A mesa era um tapete oriental, e os manjares eram coisa papa-fina: queijo-do-reino, presunto, pão-de-ló, mãe-benta. Tudo isso dentro de um salão cheio de quadros, estatuetas e grandes espelhos de moldura dourada.
      Puseram-se a comer.
      No melhor da festa, porém, ouviu-se um rumos na porta. Incontinenti o rato da cidade fugiu para o seu buraco, deixando o convidado de boca aberta.
      Não era nada, e o rato fujão logo voltou e prosseguiu no jantar. Mas ressabiado, de orelha em pé, atento aos mínimos rumores da casa.
      Daí a pouco, novo barulhinho na porta e nova fugida do ratinho.
      - Sabe do que mais? Vou-me embora. Isto por aqui é muito bom e bonito mas não me serve. Muito melhor roer o meu grão de milho no sossego da minha toca do que me fartar de gulodices caras com o coração aos pinotes. Até logo.
      E foi-se.

O velho, o menino e a mulinha

(O velho o menino e a mulinha Autor(a): Monteiro Lobato)

    O velho chamou o filho e disse:
      - Vá ao pasto, pegue a bestinha ruana e apronte-se para irmos a cidade, que quero vendê-la.
      O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chagasse descansada para melhor impressionar os compradores.
      De repente:
      - Esta é boa! - exclamou um viajante ao avistá-los. - O animal vazio e o pobre velho a pé! Que despropósito! Será promessa, penitência ou caduquice?...
      Ela se foi, a rir.
      O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:
      - Puxa a mula, meu filho. Eu vou montando a assim tapo a boca do mundo.
      Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego.
      - Que graça! - exclamou elas. - O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre a pé... Há  cada pai malvado por este mundo de Cristo... Credo!...
      O velho danou e, sem dizer palavra, fez sinal ao filho para que subisse a garupa.
      - Quero só ver o que dizem agora...
      Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou:
      - Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez... Assim, meu velho, o que chega a cidade não é mais a mulinha; é a sombra da mulinha...
      - Ele tem razão, meu filho, precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado.
      Assim fizeram, e caminhavam em paz um quilômetro, até o encontro de um sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente.
      - Bom dia, príncipe!
      - Por quê, príncipe?
      - É boa! Porque só príncipes andam assim de lacaio a rédea...
      - Lacaio, eu? - esbravejou o velho. - Que desaforo! Desce, desce, meu filho, e carreguemos o burro as costas. Talvez isto contente o mundo...
      Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto, com vaias:
      - Hu! Hu! Olha a trempe de três burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro...
      - Sou eu! - replicou o velho, arriando a carga. - Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não o que quero, mas o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar toda a gente...

As duas cachorras

      Moravam no mesmo bairro. Uma era boa e caridosa; a outra, má e ingrata. A boa, como fosse diligente, tinha a casa bem arranjadinha; a má, como fosse vagabunda, vivia ao léu, sem eira nem beira.
      Certa vez a má, em véspera de dar cria, foi pedir agasalho à boa.
      - Fico aqui num cantinho até que meus filhotes possam sair comigo. É por eles que peço...
      A boa cedeu-lhe a casa inteira, generosamente.
      Nasceu a ninhada, e os cachorrinhos já estavam de olhos abertos quando a dona da casa voltou.
      - Pode entregar-me a casa agora?
      A má pôs-se a choramingar.
      - Ainda não, generosa amiga. Como posso viver na rua com filhinhos tão novos? Conceda-me um novo prazo.
      A boa concedeu mais quinze dias, ao termo dos quais voltou.
      - Vai sair agora?
      - Paciência, minha velha, preciso de mais um mês.
      A boa concedeu mais quinze dias, e ao terminar o ultimo prazo voltou; mas desta vez intrusa, rodeada dos filhos já crescidos, robustos e de dentes arreganhados, rebebeu-a com insolência:
      - Quer a casa? Pois venha tomá-la, se é capaz...