quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O velho, o menino e a mulinha

(O velho o menino e a mulinha Autor(a): Monteiro Lobato)

    O velho chamou o filho e disse:
      - Vá ao pasto, pegue a bestinha ruana e apronte-se para irmos a cidade, que quero vendê-la.
      O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chagasse descansada para melhor impressionar os compradores.
      De repente:
      - Esta é boa! - exclamou um viajante ao avistá-los. - O animal vazio e o pobre velho a pé! Que despropósito! Será promessa, penitência ou caduquice?...
      Ela se foi, a rir.
      O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:
      - Puxa a mula, meu filho. Eu vou montando a assim tapo a boca do mundo.
      Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego.
      - Que graça! - exclamou elas. - O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre a pé... Há  cada pai malvado por este mundo de Cristo... Credo!...
      O velho danou e, sem dizer palavra, fez sinal ao filho para que subisse a garupa.
      - Quero só ver o que dizem agora...
      Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou:
      - Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez... Assim, meu velho, o que chega a cidade não é mais a mulinha; é a sombra da mulinha...
      - Ele tem razão, meu filho, precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado.
      Assim fizeram, e caminhavam em paz um quilômetro, até o encontro de um sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente.
      - Bom dia, príncipe!
      - Por quê, príncipe?
      - É boa! Porque só príncipes andam assim de lacaio a rédea...
      - Lacaio, eu? - esbravejou o velho. - Que desaforo! Desce, desce, meu filho, e carreguemos o burro as costas. Talvez isto contente o mundo...
      Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto, com vaias:
      - Hu! Hu! Olha a trempe de três burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro...
      - Sou eu! - replicou o velho, arriando a carga. - Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não o que quero, mas o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar toda a gente...

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